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Countering false and misleading solutions to ecological crisis

Coming together to counter misleading and false climate/tech solutions [EN] Becky Kazansky & Nikita Kekana

Tecnologías para un planeta en llamas: Una entrevista con Paz Peña [ES]
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Jessica Botelho, Lori Regattieri & Eliana Quiroz

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Indigenous just transition(s) and visionary work: An interview with Heather Milton-Lightening [EN]
Katrin Fritsch

“The climate change situation is being handled like treating a large, deep cut with a Band-Aid”: An interview with Alana Manchineri [EN]
Joana Varon

“Estão tratando as mudanças climáticas como quem cuida de um corte grande e profundo só com um Band-Aid”:  Uma entrevista com Alana Manchineri [PT]
Joana Varon

Expanding critical approaches to extractivism and mega infrastructure projects [EN]
Kuirme Collective: Aymara Llanque, Camila Nobrega & Rub(én) Solís Mecalco

Navigating the interstices of digital rights and climate justice as a funder [EN]
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Decentralized and rooted in care: envisioning the digital infrastructures of the future [EN]
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Sostenibilidad no es lo mismo que sostener [ES]
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Lessons from storms and wetlands: Rethinking disaster response for communication infrastructure [EN]
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An open movement to support climate action [EN]
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Ampliando el Acceso a la Información Ambiental a través del Open Knowledge [ES]
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Embracing imperfect methodologies for cross-territorial collaboration [EN]
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Convite. Un encuentro de perspectivas sobre el autocuidado y los cuidados colectivos digitales para defensores del territorio y el medio ambiente [ES]
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Infraestrutura para justiça socioambiental e os desafios na Amazônia [PT]
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Organising behind the scenes: An interview with Molly Mathews [EN]
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“Estão tratando as mudanças climáticas como quem cuida de um corte grande e profundo só com um Band-Aid”:  Uma entrevista com Alana Manchineri

English version: ‘The climate change situation is being handled like treating a large, deep cut with a Band-Aid: An interview with Alana Manchineri’

Quem diz isso é a Alana Manchineri, gerente de comunicação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB). Tive a oportunidade de conhecê-la em julho de 2022, na Costa Rica. Ela acompanhava a parente Marciely Ayap Tupari enorme evento de tecnologia e direitos humanos, o Rightscon. 

Era de manhã cedinho. Alana sentou-se ao meu lado, na plateia. Com o celular em punho e animada, buscava o melhor ângulo para registrar a colega. Eu abri caminho: mulheres indígenas trabalhando. A fala de Marciely foi tão potente que logo eu também estava com o celular na mão, registrando e postando. A intervenção inspirou e terminou com todas as pessoas presentes retratadas em uma foto-protesto contra a aprovação do Marco Temporal no Brasil1.

Foto no rightscon contra marco temporal
Foto no rightscon contra marco temporal

Logo depois, ainda estivemos juntas na imersão do Green Screen, evento sobre tecnologias e mudanças climáticas que inspirou essa edição da Branch Magazine. Alana mora em Manaus, cidade cercada pela Floresta Amazônica, onde o Rio Negro se junta ao Solimões para desaguar no Rio Amazonas. Eu moro no Rio de Janeiro, cidade densamente povoada entre o mar e os morros cobertos de concreto e Mata Atlântica. Depois desses encontros na Costa Rica, mesmo a distância, tive a honra de entrevistá-la. Para a conversa, trago minha trajetória pesquisadora e ativista que tenta levar uma visão feminista e decolonial para o debate sobre direitos humanos e tecnologias. Muito me move poder ouvir mulheres inspiradoras que, no dia a dia, usam a criatividade e a força do coletivo para hackear violências coloniais e fortalecer modos de vida alternativos, contemporâneos e ancestrais. Esta entrevista tenta inspirar você também, pois ao registrar um pouco da visão da Alana e do trabalho coletivo da COIAB, podemos perceber melhor como o debate sobre mudanças climáticas e tecnologia só atingirá futuros realmente sustentáveis e equitativos se reconhecer a luta e assegurar os direitos de povos indígenas e a proteção de seus territórios. 

Joana: Alana, poderia contar para a gente sobre a missão da COIAB, e, mais especificamente, qual o seu trabalho por lá, situando pro pessoal de fora o contexto político brasileiro?

Alana: A COIAB foi fundada no dia 19 de abril de 1989, após a Constituinte2. Ela tem um papel bastante relevante nos territórios [indígenas] de ação política para a proteção da Amazônia. Sabia que o Brasil e o Peru são os dois países com o maior índice de violência contra os povos indígenas, de desmatamento e de degradação da floresta e dos biomas? Nesse contexto, a COIAB atua nos nove estados da Amazônia brasileira, [que é] toda a Amazônia Legal3. Nós a dividimos em 64 regiões de base, o que mostra um pouco da diversidade territorial e de povos indígenas dentro do território regional da Amazônia. 

Isso também se reflete na nossa coordenação executiva, eleita no ano passado. Ela é composta pelo coordenador geral Toya Manchineri, do Estado do Acre;  pelo vice-coordenador Alcebias Sapará, de Roraima; pelo coordenador tesoureiro, Avanilson Karajá, do Tocantins; pela coordenadora-secretária, Marciely Tupari, de Rondônia, que participou comigo do evento. E temos também o vice-coordenador secretário, Sergio Galibi-Marworno, que é do Amapá, e a vice-coordenadora tesoureira, a Dineva Kayabi do Mato Grosso. Então, a gente tem boa parte de toda a Amazônia brasileira representada na nossa coordenação executiva.

Hoje, temos uma estrutura que abrange projetos de grandes proporções. Na época da pandemia, a gente teve um orçamento maior do que o de muitos municípios do Brasil. Então, a gente tem um papel extremamente relevante na Amazônia brasileira. Nós fundamos o fundo Podáali, que é um fundo indígena para captação e redistribuição de recursos aos povos, organizações e comunidades da região. Também fazemos parte da UMIAB, a União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira. Então, [dá para ver que] a gente opera de maneira bem diversa. E atuamos em seis eixos: povos isolados, de recente contato; gênero, juventude e infância indígena na Amazônia; formação política e técnica; fortalecimento institucional das organizações e suas bases, dentre outros.

Com essa estrutura, hoje a COIAB é referência na Amazônia brasileira. Inclusive na comunicação, porque nós somos a única organização regional que possui uma rede de comunicadores [oriundos] dos nove estados da Amazônia brasileira. Então, a gente também cuida para que essa comunicação seja democrática e ampla para todas as nossas regionais.

Joana: O seu trabalho se insere na gerência de comunicação, né? Explica para gente um pouco o que você faz conectando tantos pontos dessa rede regionalmente tão ampla que é a COIAB…

Alana: Eu gerencio uma equipe de sete pessoas, mais nove comunicadores, um de cada estado da Amazônia, que são indicações das organizações de base. Em 2022, nós fizemos um planejamento aqui em Manaus com as lideranças dessas organizações, para que elas pontuassem quais eram as metas que elas queriam que a COIAB tivesse. Assim, agora temos esse plano de comunicação, o planejamento estratégico da COIAB, além das demandas diárias de denúncia de violações. Eu faço a gestão desses conteúdos e da programação institucional. E hoje temos pelo menos 30 projetos institucionais. Também fazemos a cobertura e gestão de comunicação dentro desses projetos, a assessoria de imprensa nacional e internacional e ainda uma orientação para as lideranças de base. Por exemplo, quando uma liderança de base vai para algum evento nacional ou internacional, nós a orientamos conforme os posicionamentos coletivos da COIAB. Foi por isso que fui junto com a Marciely para Costa Rica. 

Joana: É incrível, de verdade, o quão conectada com todo o território da Amazônia Legal é a COIAB. Isso em um espaço territorial onde as extensões e distâncias são longas, a comunicação é complexa e a variedade linguística abundante. Impressionante também ver como vocês mantêm processos coletivos no centro de tudo e como montaram uma organização institucional tão estruturada. Agora que deu para entender um pouco do seu trabalho e da COIAB, queria entrar mais no tema da tecnologia. Queria que você falasse sobre a visão que vocês têm quanto à atuação no território amazônico de algumas das chamadas BigTechs, as grandes empresas de tecnologia, como a Starlink e o Google, e como isso afeta a luta dos povos indígenas na região.

Alana: Essas empresas utilizam conhecimento extraído dos nossos territórios, das comunidades tradicionais. As fibras óticas seguem uma ideia de rede, algo que a gente pode muito bem comparar com as redes que são formadas pelas raízes e com como essas raízes se conectam, não é? Elas trazem um pouco desse modo de conectar uma árvore com a outra: [são como] um ecossistema, [como os] biomas. A gente entende dessas diferentes estruturas de comunicação há muito tempo, mas isso não é reconhecido. É como se, de maneira racista, considerem que nossos conhecimentos são ultrapassados, mas a verdade é que são conhecimentos valiosos. Por que a mesma coisa, quando colocada por uma pessoa não indígena, por uma empresa, por uma família rica, por uma família bilionária, é vista como algo super valioso? Quando é pela gente, não é assim. Para nós, isso é exploração, seja do conhecimento, seja de matéria-prima. É exploração mesmo, até dos nossos próprios corpos.

Além disso, a gente tende a falar sobre a comunicação como um direito. A gente entende que as violações dos nossos direitos, tanto nos territórios, quanto nas cidades, só acabam ou diminuem se a gente conseguir fazer uma boa divulgação, se a gente conseguir denunciar, comunicar. Por isso, o que a gente tem fortalecido é o acesso a esses direitos pelas comunidades, seja pela telefonia, seja pela internet. Mas o que a gente entende é que essas grandes empresas já fazem o debate há muito tempo, ocupando espaços estratégicos de um jeito que a gente às vezes nem tem dimensão. Um exemplo é a gente estar discutindo, nesse primeiro momento, o acesso a essas tecnologias, enquanto os grileiros, fazendeiros e mineradores já têm conectividade há muito tempo4, e utilizam essas tecnologias para aplicar nas redes sociais a narrativa particular deles, com uma visão de desenvolvimento que na verdade gera destruição e invasão. A COIAB entende que, enquanto a gente não tiver poder sobre essas tecnologias, continuaremos reféns da violência e do colonialismo, seja tecnológico, seja físico. Porque, para nós, povos indígenas, sempre é muito mais difícil acessar esse tipo de direitos. 

Para nós, é importante ter acesso a essas tecnologias de acordo com os nossos protocolos de consulta, de acordo com os nossos entendimentos, de acordo com as nossas perspectivas de vida dentro do território. E é importante também que a gente consiga pautar o Estado e essas grandes empresas sobre a origem dos recursos minerais para o desenvolvimento dessas tecnologias. Qual é o papel social dessas tecnologias e dessas grandes empresas? Elas buscam sempre o lucro; mas nós, povos indígenas, ao acessar essas tecnologias, estamos buscando a sobrevivência, a manutenção dos nossos modos tradicionais de vida, do nosso território, das florestas. Nós percebemos o racismo tecnológico que existe no acesso ou na falta de acesso às tecnologias dessas empresas. A gente vê que enquanto houver essa desigualdade [de acesso às tecnologias de comunicação], estaremos sempre do lado mais frágil, que é o lado das pessoas afetadas, que não utilizam o monitoramento para a violência, mas, sim, para a proteção dos territórios.

Joana: No encontro da Green Screen, vocês chegaram a mencionar uma outra forma de colonialismo exercida pelas grandes empresas estrangeiras de tecnologia: o mapeamento pelo Google de informações sobre as árvores dos territórios. Poderia contar  o que vocês têm visto sobre isso?

Alana: É, a coordenadora Marciely trouxe essa denúncia de que em alguns lugares estão acontecendo mapeamentos das árvores pelo Google. Algumas empresas querem fazer crédito de carbono, contrato de crédito de carbono. Parece que essas empresas estão utilizando a internet para fazer o mapeamento dessas árvores e calcular o potencial de carbono aprisionado nessas árvores. Essas são algumas denúncias que temos recebido das bases na COIAB e tentado entender. Porque, como organização que atua em toda uma região, podemos gerar um entendimento coletivo, trocando com as nossas organizações de base, com as lideranças, para que toda essa informação seja de fato revelada e todo mundo consiga ter acesso a ela.

Joana: Tem gente que, operando sob uma lógica de monetização da natureza, a lógica dos créditos de carbono e da economia verde, vai achar que isso não é um problema ou que seria bom fazer esse tipo monitoramento. Como vocês veem isso? Porque essas empresas se vendem como salvadoras, vendendo a narrativa de que estão empregando tecnologias para salvar o planeta das mudanças climáticas. Tentam justificar, assim, virem mapear quantas árvores os territórios têm, para saber o quanto podem lucrar com créditos de carbono. É uma narrativa de comercialização da natureza, seria importante se você puder complementar trazendo seu posicionamento crítico sobre isso. 

Alana: É, de fato, o nosso entendimento é crítico. Essas empresas têm tratado a situação das mudanças climáticas como quem trata um corte grande e profundo só com um Band-Aid. Na verdade, são elas que causam esses desequilíbrios. Como eu mencionei, de onde estão saindo os minérios utilizados por essas grandes empresas? De onde está saindo a madeira? De onde está saindo a água? Nesse encontro foi mencionado que o chatGPT utiliza uma grande quantidade de água. De onde estão saindo esses recursos senão dos territórios da floresta? A gente vê, por exemplo, como essas grandes empresas tecnológicas têm percebido que o aporte financeiro para deputados que são contra as pautas ambientais e contra os povos indígenas dá retorno para eles. Porque, quando não se tem um Estado com poder de legislação e de fiscalização forte, essas empresas invadem os territórios sem serem responsabilizadas. Há quanto tempo está sem solução o caso de Mariana5? Quantos outros casos há de empresas que fazem exploração dentro de espaços da União ou de territórios indígenas que não são responsabilizadas por seus atos? Essas empresas estão sempre buscando capitalizar algo. Num momento, é capitalizar o território, em outro momento, é o ar, o espaço aéreo, ou o que a gente está produzindo, de conhecimento milenar e ancestral dentro dos territórios. É a forma de capitalizar tudo o que se vê pela frente e a perder de vista. Acho que as empresas estão tentando hoje simplesmente apagar um incêndio que elas mesmas causam.

Joana: Como a COIAB mesmo diz, “os povos indígenas são as grandes autoridades do clima”, né? São séculos de conquistas e batalhas na luta pela proteção de territórios, da cultura tradicional, da biodiversidade e das próprias vidas; séculos na luta contra o genocídio de parentes, contra a exploração causada pela mineração, pelo desmatamento ilegal e pelo roubo do conhecimento tradicional. Essas violências hoje também estão sendo habilitadas pelo uso de tecnologias concebidas sob a lógica do capitalismo da vigilância e do colonialismo digital. Diante do contexto histórico dessas lutas, e do colapso iminente da crise climática, como você acha que as organizações e movimentos que trabalham nesse campo de intersecção entre tecnologia e direitos humanos podem colaborar de maneira respeitosa com as lutas dos povos indígenas?

Alana: Eu entendo que essas organizações que fazem esse debate a respeito da tecnologia [e dos direitos humanos] precisam ajudar a democratizar o acesso a informações. Eu entendo que existe um fluxo muito grande de informações sobre essa área entre São Paulo e Rio de Janeiro. Esses estados do Sudeste, talvez por estarem mais perto dessas grandes empresas, têm mais acesso a esse tipo de informação. Já a gente, que está bem aqui na Amazônia, bem onde estão acontecendo várias violações, não: porque, ou a gente faz a denúncia sobre a violência que acontece com os Yanomami, ou a gente para para ler sobre o domínio tecnológico, sobre governança da tecnologia. Por exemplo, agora eu estou participando dessa entrevista, que é super importante para nós, mas aconteceu o assassinato de um Yanomami lá no território de Roraima. Então, a comunicação da COIAB toda se volta para isso, para essa questão urgente. Nós costumávamos dizer que durante o governo Bolsonaro tinha toda hora uma emergência, uma emergência indígena. Mas a gente ainda continua sofrendo com a perspectiva do fascismo, né? Existe uma estratégia de manipulação das massas, porque, enquanto estamos buscando proteger os territórios (no ditado popular, “apagar o fogo”), eles estão “fazendo a boiada passar”, né? O próprio Ricardo Salles6 falou isso no ano passado. “Vamos aproveitar que eles estão distraídos e vamos “passar a boiada”. E, basicamente, é o que a gente tem sentido. O Marco Temporal passou na Câmara Federal. E antes disso estava acontecendo a CPI do MST7. Aí passa o Marco Temporal para ser debatido no Senado e depois vem a tese temporal no Supremo Tribunal Federal. Aí vem a MP 11548, depois a CPI das ONGs9. Então, é uma estratégia, muito desenhada, de como manter a gente ocupada, para não conseguirmos acessar e garantir nossas perspectivas nesses outros espaços também. Por mais que a gente esteja vivendo um governo de composição com a esquerda, vivemos a questão do fascismo muito grande: o fascismo do capital acima de tudo10, acima da vida, acima das vidas humanas. 

Eu acho que o que converge entre nós é o direito, o direto ao acesso de forma universal. E entendemos ser necessário se apoiar: uma organização apoia a outra. A gente está nessas pautas urgentes o tempo todo, enquanto outras organizações  focam muito mais no acompanhamento das tecnologias. O que a gente tem feito, na condição de organização indígena, é se aliar a essas organizações que fazem esse tipo de ação. A gente tem várias parcerias, e elas vão cobrindo a nossa falta. E, quando surge um momento para a gente se unir, a gente vai se unindo, vai buscando se apoiar uns aos outros.

Joana: Sim, mesmo é fundamental a troca de informação e as alianças inclusive para colaborar para que mais representantes dos movimentos indígenas possam também ocupar espaços de poder e de tomada de decisão nos debates sobre tecnologia. Alguma observação final que você queira fazer?

Alana: Precisamos continuar fortalecendo essas organizações indígenas, quilombolas, ribeirinhas. Quando a democracia no Brasil foi subjugada, foi preciso que os movimentos sociais estivessem extremamente fortalecidos para poder ter impacto contra o fascismo. Eu costumo dizer que talvez um dos únicos movimentos que tiveram grande impacto no momento em que Bolsonaro estava tentando avançar com pautas fascistas e contra a proteção da Amazônia foi o movimento indígena. Mesmo sem ter parlamentar, sem ter muito dinheiro, sem ter um governo, durante um governo de extrema direita, o movimento indígena conseguiu ter um impacto. E eu acho que mesmo com a gestão do Lula, a gente não pode descansar. Sim, eu sei que esse é um momento que todo mundo pensa que seria tranquilo, que a gente iria aproveitar um pouco para viver, porque a gente passou por uma pandemia maluca. Mas talvez esse seja o momento que precisamos ficar mais vigilantes, porque três anos passam muito rápido. Com o Bolsonaro até pareceu que demorou mais, porque ele realmente é um genocida fascista. Mas três anos vão passar muito rápido, numa perspectiva de movimento social que precisa se fortalecer por muito, muito tempo. E eu costumo sempre dizer que acho que essas tecnologias também precisam ser usadas para impulsionar as ações para [uma maior] ocupação [indígena] no Legislativo. Ter deputados e deputadas que são a favor das nossas pautas é extremamente relevante.

A gente corre o risco de ter várias deputadas cassadas11, porque, se a oposição quiser, eles têm votos suficientes para fazer a cassação dessas pessoas e também para passar qualquer coisa. Hoje, se a gente não tiver uma gestão que faça composição com esses partidos, com muita facilidade eles poderiam também pedir um impeachment, né? Por muito menos, a Dilma foi “impichada”. A gente entende a gravidade do que estamos vivendo, e o quanto que talvez esse posicionamento sobre as tecnologias seja importante para a eleição dessas pessoas que representam de fato a gente. Eu entendo e acompanho a eleição desde muito tempo. O quanto esses grandes fazendeiros impulsionam, dão dinheiro e gastam com tecnologia para essas pessoas serem reeleitas, para terem o melhor slogan, a melhor identidade visual. Tem pessoas pagas para disparar mensagens. Então, acho que talvez a gente tenha que se aproximar também dessa pauta de formação política e de financiamento de campanha, porque hoje ele já é feito para esses que são ruins. A gente precisa pensar estratégias para que as pessoas que realmente representam a população consigam acessar essas informações, consigam ter acesso a essas tecnologias, também para ajudar na eleição.

Joana: Muito interessante que a violência política de gênero e as estratégias de comunicação e tratamento de dados nos meios digitais apareceram aqui nas suas sugestões de intersecções das agendas dos movimentos. Diante do crescimento da ultra direita no mundo, é um ponto chave mesmo. Obrigada, Alana, muito grata pelo seu tempo e pela partilha. Seguimos!


Alana Manchineri é gerente de comunicação da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB)

Joana Varon é Diretora Executiva da Coding Rights e pesquisadora afiliada do Berkman Klein Center for Internet and Society da Havard Law School


Notas al pie

  1. A tese do Marco Temporal está por ter sua constitucionalidade apreciada em votação no Supremo Tribunal Federal. É uma tese jurídica e política que limita os direitos de povos indígenas ao querer estabelecer que o direito à terra fica restrito apenas aos indígenas que a ocupavam em 1988, quando foi promulgada a Constituição. Trata-se de uma violação a um direito originário. ↩︎
  2. Constituinte diz respeito ao Congresso Nacional Constituinte, estabelecido em 1987, depois de 21 anos de ditadura militar, com o finalidade de redatar uma Constituição democrática para o país. O texto, vigente até hoje, foi promulgado em 1988 e deve forte atuação de lideranças indígenas que asseguram, ainda que no papel, e o direito originário de povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam. ↩︎
  3. Amazônia Legal compreende uma área de mais de 5 milhões de quilômetro quadrados, mais de 59% do território brasileiro, abarcando nove estados: Amazonas, Acre, Pará, Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. ↩︎
  4. Em junho de 2023, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) apreendeu 11 kits da Starlink em áreas de garimpo ilegal na terra indígena Yanomami, juntamente com armas e motoserras. No mesmo mês, o governo do Amazonas se queixou dos investimentos de Musk na Amazônia Legal e desabafou: “A internet que ele começou a colocar na Amazônia nunca esteve conectada às políticas públicas. Resultado: traficante, grileiro e criminosos têm a antena do Elon Musk, mas a comunidade mais simples, lá do interior, não tem acesso”.  O Ibama tem estudado, juntamente com outros órgãos, bloquear o sinal da Starlink em áreas de mineração ilegal. ↩︎
  5. Mariana é um distrito de Minas Gerais, na região Sudeste do Brasil, onde, em 2015, se rompeu a barragem do Fundão, usada pela Mineradora Samarco para depositar rejeitos tóxicos de minério de ferro. A lama tóxica percorreu, através do Rio Doce, mais de 600km até chegar ao oceano Atlântico, atingindo 41 cidades da região e territórios indígenas, no que é considerado um dos maiores crimes ambientais do Brasil. Em 2019 foi a barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Mineradora Vale, localizada em Brumadinho, também em Minas Gerais, que se rompeu, causando mais mortes e destruição criminosa. Tanto a Vale, quanto a Samarco exportam minérios para países da Europa e China, onde são manufaturados eletrônicos usados em todo o mundo.
    ↩︎
  6. Ricardo Salles foi Ministro do Meio Ambiente da gestão Bolsonaro e ficou conhecido por, entre outras atrocidades, no meio do auge da crise humanitária da pandemia da COVID-19, dizer em uma reunião governamental que era a hora de “fazer a boiada passar”, fazendo referência a sua vontade de mudar rapidamente regras de proteção ambiental enquanto, segundo ele, a atenção da mídia estava voltada para a pandemia. ↩︎
  7. Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Movimento dos Sem Terra, que ocupa áreas improdutivas e sem função social em diversas regiões do país. Foi instaurada em abril de 2023 por deputados de oposição, em sua maioria da bancada ruralista, e é presidida por Ricardo Salles.eção ambiental enquanto, segundo ele, a atenção da mídia estava voltada para a pandemia. ↩︎
  8. Medida Provisória que reestruturou ministérios, inclusive prevendo a criação do Ministério de Povos Indígenas. ↩︎
  9. Comissão Parlamentar de Inquérito estabelecida por senadores da oposição para investigar ONGs que atuam na região amazônica sob a narrativa descabida de que tais organizações operam apenas para difamar a imagem do Brasil e da Amazônia. A CPI tem sido vista como uma forma de desviar a atenção de questões como o enfraquecimento de estruturas de fiscalização e combate ao desmatamento e às invasões de terras indígenas; criminalizar ONGs e atacar quem trabalha na defesa da Amazônia e dos povos que ocupam este território. ↩︎
  10. O slogan eleitoral “Brasil acima de tudo, deus acima de todos” pelo qual Bolsonaro foi eleito em 2018, foi inspirado no dito nazista Deutschland über alles, e seguiu sendo utilizado durante a gestão do hoje inelegível ex-presidente. ↩︎
  11. Em junho de 2023, seis deputadas federais de partidos de esquerda, Célia Xakriabá, Sâmia Bomfim, Talíria Petrone, Erika Kokay, Fernanda Melchionna e Juliana Cardoso, viraram alvo de processo no Conselho de Ética da Câmara por protestarem contra parlamentares que votaram a favor do Marco Temporal para a demarcação de terras indígenas. A representação foi instaurada por deputado do PL, partido de extrema direita, alvejando apenas mulheres, ainda que outros deputados também tenham protestado. ↩︎